A primeira coisa é o título, o nome da publicação: porque será que grande número de jornais portugueses, e revistas, e até mesmo blogs, precisam de ter títulos que são as traduções dos nomes de publicações inglesas, francesas, americanas? Porque é que tem de haver um plágio ou uma subserviência ou (talvez ingenuamente) uma falta de imaginação logo ao início de tudo, logo no nome da coisa?
E, já agora, porquê sempre este imarcescível colocar-se na posição de colónia cultural de certas metrópoles e fazê-lo sempre de livre e espontânea vontade? E porque razão os impérios escolhidos têm sempre de ser os mesmos, têm sempre de ser aqueles?
A segunda coisa são os formatos e os conteúdos: porque razão é que tanto magazine português tem de seguir os
outlines das revistas estrangeiras? Porque razão é que as revistas que vêm com os jornais têm de ser, nas suas secções, cópias (e cópias pobres... ou pobrezinhas) da revista do Financial Times e outras? E porque é que as próprias sugestões, por exemplo sugestões de consumo, têm de ser copiadas? Porque é que a capa dessa coisa chamada Blitz tem de ser comprada à Rolling Stone?
A terceira coisa é o método: porque é que uma percentagem tão grande de notícias e fontes nos jornais portugueses mais não é do que a leitura e tradução para o português do Guardian? Os jornais portugueses em vez de enviarem repórteres e jornalistas aos locais para observarem, inquirirem, investigarem e escreverem - têm jornalistas sentados a ler jornais estrangeiros e a fazer o decalque das notícias escritas por outros jornalistas, por jornalistas estrangeiros? Os jornalistas portugueses, desde que não seja tema nacional (e às vezes mesmo nestes casos!), acham que o trabalho de jornalista é ler, resumir e traduzir o trabalho dos jornalistas estrangeiros, isto é, dos jornalistas verdadeiros, os que vão para a rua fazer perguntas e investigar e fazer o verdadeiro trabalho de um jornalista?
Será que os jornalistas portugueses não percebem que este método faz dos jornais portugueses um produto em segunda mão, com tudo o que isso de distorção e ruído acarreta? Torna-os um produto copiado, uma mera imitação, uma contrafacção por trás de umas letras bonitas em gótico ou outro tipo qualquer?
E porque é que há tantos editoriais que mais não são do que um resumo dos vários editoriais dos "grandes jornais mundiais" publicados no dia anterior? Um resumo e uma tradução daquilo que foi escrito nos jornais estrangeiros por directores de jornal, esses sim!, com pensamento próprio? E porque é que às vezes estes resumos nem sequer fazem referência aos verdadeiros autores, aos verdadeiros fazedores de opinião? Será que é normal escrever um editorial de um jornal de grande tiragem como um miúdo da C+S faz um "trabalho de investigação", copiando daqui, tirando dali, não escrevendo rigorosamente nada de seu senão a indicação do seu nome como "autor"?
Às vezes pensamos que uma boa parte da fraca importância da cultura e das letras portuguesas no mundo tem a ver precisamente com isto: quem é que quer saber da produção cultural de um país que pouco mais faz do que copiar os outros? Vamos vender aos franceses uma cópia do Paris Match? Que ingleses quererão saber de uma cópia do Guardian ou dos Monty Phyton?
E não, não é a dimensão, nem a pobreza, muito menos a perificidade: a Suécia é mais pequena e muito mais influente; a Irlanda já foi pobre e já era influente nesse tempo; em matéria de cultura, informação e conhecimento, Portugal não é periférico e, já agora, em termos de geografia do mundo ocidental, Portugal até está bem no centro.
O que há é uma maldição da imitação, a maldição de não dar um passo que seja na direcção da originalidade porque os outros já fizeram. E o pior é que não é maldição: é escolha.
E é importante notar que, quando os portugueses são originais, em boa verdade até são muito bem sucedidos em termos de impacto cultural no estrangeiro. Só é necessário que sejam originais (aliás, a originalidade parece ser até mais importante que a qualidade).
Agora... duas notas
muito importantes: (i) a ideia de que Portugal é influente no espaço lusófono e de que o espaço lusófono interessa-se muito por Portugal é uma religião, religião esta que estamos longe de pretender abraçar e ainda mais de desejar desenvolver (a própria noção de "espaço lusófono" já é em si mesma uma religião bem esotérica...); (ii) a ideia de que um país para ser feliz com a sua cultura precisa de fazer dela um império ou de, pelo menos, obter o tão celebrado "reconhecimento internacional": esta é outra ideia que não merece subscrição da nossa parte, os dinamarqueses têm uma produção cultural muito forte e original, são muito felizes com ela e não se aborrecem minimamente em saber se essa cultura é reconhecida ou apreciada ou qualquer outra coisa do outro lado das suas fronteiras.
Menos imitação. Se possível, nenhuma cópia, nenhuma forma de imitação, nenhum modo ainda que pequenino e pobrezinho de plágio. Mais originialidade: maior força.