Friday, May 23, 2008

A Dupla Confusão da Direita Liberal em Portugal

A grande confusão e maior delírio da direita liberal em Portugal é achar que uma ideologia extremamente minoritária vai conseguir uma qualquer forma de representação institucional não através da criação de um partido próprio mas através de um de dois partidos existentes que ou não são de direita ou não são liberais: o PSD e o CDS-PP.

Este delírio vem desde que o dirliberalismo começou nos tempos recentes a germinar graças sobretudo aos blogs e há liberdade que eles trouxeram: poder escrever de direita, à direita e pela direita em Portugal.

Recentemente, o duplo delírio tornou-se mais notório devido a duas coisas: eleições no PSD e aniversário da morte de Francisco Lucas Pires.

Em relação ao PSD, os dirliberais acreditam que Passos Coelho, um homem apoiado pelas autarquias, poderá transformar o partido mais ao centro de Portugal num partido de direita e, ainda por cima, liberal. Sendo a autarquia em Portugal um dos campeões do despesismo e da irresponsabilidade financeira (que, aliás, é uma irresponsabilidade garantida pela lei), a autarquia é também um dos maiores inimigos naturais do liberalismo.

Em relação ao CDS-PP, os dirliberais acreditam que esse partido pode transformar-se num partido dirliberal só por causa de ter tido há mais de vinte anos atrás e por um perído de três anos um presidente dirliberal, Francisco Lucas Pires. A total falta de liberalismo que se seguiu, que tem continuado e que tem sido imagem de marca deste partido não perturba a crença dos dirliberais no potencial liberal do CDS-PP...

Nem o suposto candidato liberal à presidência do PSD conseguirá (ou sequer tentará ou estará interessado) em transformar radicalmente o PSD, partido de centro, partido pesado para um Estado pesado, num partido liberal; nem o aniversário da morte de Franscisco Lucas Pires muda alguma coisa em relação à natureza do CDS-PP dos últimos vinte anos.


As razões pelas quais PSD e CDS-PP nunca se transformarão em partidos liberais deviam ser evidentes, sobretudo em relação ao PSD.

A doutrina do PSD em relação às funções do Estado nunca foi diferente da dos partidos de esquerda, como o PS. Nesse sentido, é perfeitamente aceitável classificar o PSD como partido de esquerda. Aquilo que os líderes do PSD e a candidata Manuela Ferreira Leite pretendem (mas foram sistematicamente falhos em realizar) é executar essas funções de uma maneira economicamente mais eficiente (isto é, com menores desperdícios) de forma a que o Estado seja menos pesado para as mesmas funções. E nenhuma dessas mesmas funções é posta em causa.

Os liberais, por sua vez, não pretendem simplesmente a diminuição do peso do Estado. Aliás, essa diminuição nem sequer é vista como um fim em si mesma. O que os liberais pretendem é uma circunscrição mais restrita do rol de funções do Estado para que sobre mais liberdade às pessoas, empresas e associações civis. O emagrecer do Estado é uma mera consequência dessa política, que tem como fim não esse próprio emagrecimento mas o aumento da liberdade.

O PSD tem por fim reduzir o peso do Estado porque isso é vantajoso em termos económicos. Não há uma preocupação fundamental em aumentar a liberdade das pessoas. Até porque o PSD não reconhece um antagonismo entre (maior número de) funções do Estado e (maior) liberdade das pessoas. Ora a consideração da existência desse antagonismo é precisamente um dos elementos de base da ideologia dirliberal. Daí que o PSD, essencialmente, não tenha nada a ver com o liberalismo de direita. Nem com direita, nem com liberalismo.


Já o antagonismo entre CDS-PP e liberalismo talvez seja menos notório porque uma grande parte dos dirliberais confunde-se com diferentes conservadorismos. Em Portugal, lendo os blogs de direita, é mais ou menos evidente que a direita-liberal está sempre mesclada de um certo tipo de conservadorismo. Aliás, uma grande parte das vezes, é um certo tipo ou outro de conservadorismo que tem uma partezita de liberalismo e não o contrário.

Sendo o CDS-PP um partido democrata-cristão e conservador, os liberais-conservadores e os conservadores-liberais acreditam que este partido poderá ter alguma coisa a ver com o dirliberalismo.

Simplificando um pouco as coisas, existem dois conservadorismos diferentes, um dos quais pode ligar-se ao liberalismo e o outro não. E é este segundo que está presente no CDS-PP, daí a sua incompatibilidade genética com o dirliberalismo.

Existe um conservadorismo tradicionalista, baseado na ideia de que as instituições melhoram evoluíndo ao longo do tempo. Este conservadorismo acredita que as instituições antigas (tradicionais) se existem nos dias de hoje é porque souberam sobreviver, adaptar-se e melhorar e, portanto, são não apenas boas como melhores do que quaisquer instituições novas e nunca experimentadas. Acontece que a grande parte das instituições tradicionais portuguesas, defendidas por este tipo de conservadores, não tem nada a ver com o liberalismo, muito antes pelo contrário. Desde os monopólios de Estado concedidos no tempo das Descobertas até às posições políticas das igrejas, nada de tradicional em Portugal tem alguma coisa a ver com o liberalismo.

Existe um outro conservadorismo que se baseia não na ideia de que o que está instituído é essecialmente bom mas sim na ideia de que nada nunca nos garante que uma ideia (supostamente) boa em teoria se revelará também boa na prática. É o conservadorismo que respeita a aversão ao risco comum à maioria das pessoas, sobretudo quando o que está em causa tem valor financeiro e/ou tem valor afectivo. É o conservadorismo dos que reconhecem que as mudanças muitas vezes produzem efeitos contrários aos esperados e, quando produzem os efeitos previstos e desejados, produzem normalmente outros efeitos que não foram previstos e são indesejados. É o conservadorismo que se lembra que mesmo que uma mudança só implique efeitos previstos e positivos, o colocar em prática da mudança tem custos para quem a realiza e para quem tem de se adaptar.

A principal diferença entre estes dois conservadorismos é que o primeiro considera a tradição como um valor e, nesse sentido, não pretende mudanças, enquanto que o segundo considera como valor a prudência. Daqui que o primeiro implique um certo imobilismo político, enquanto que o segundo leva simplesmente a uma moderação e prudência na condução da política.

Qual a relação entre estes dois conservadorismos e o liberalismo no caso Português? O conservadorismo tradicionalista português, como já foi dito, defende instituições contrárias ao liberalismo. O conservadorismo prudente, na medida em que reconhece que um Estado pesado influi mais na vida das pessoas, ou seja, leva a um permanente suceder de mudanças, é compatível com o liberalismo.

Agora, qual destes dois conservadorismos está presente no CDS-PP? Claramente, o primeiro. Daí a incompatibilidade desse partido com o dirliberalismo. E, por outro lado, e para além do conservadorismo tradicionalista, o CDS-PP é democrata-cristão. Mas também a democracia-cristã tem pouco a ver com o dirliberalismo.


É por tudo isto que é um absurdo pretender dar uma qualquer institucionalização ao dirliberalismo através de uma suposta transformação de dois partidos que, de liberais, não têm nem genes, nem ideias, nem propostas, nem apoios e, mais importante que tudo, nem pessoas.

É claro que sovietizar com as nossas ideias um partido já existente e com uma implantação tão grande como a do PSD seria muito útil ao dirliberalismo. Só que há uns pequenos problemas... sovietizar partidos, isto é, entrar neles com uma ideologia diferente e mudá-los pelo lado de dentro de forma a instituir uma ideologia diferente tentando ao mesmo tempo beneficiar da institucionalização, dos apoios e dos votos que esse partido gozava com a sua ideologia antiga - não é aceitável à luz do dirliberalismo, pelo simples facto de que é desonesto, ou pelo simples facto de que foi uma estratégia praticada pelos prováveis maiores inimigos de sempre do liberalismo (os comunistas).

O outro problema é que, tendo em conta a natureza do PSD (e do CDS-PP), tal sovietização é impossível. E ninguém está interessado em fazê-la, a começar por Passos Coelhos.


Sendo assim, que estratégia existe para o dirliberalismo em Portugal? A estratégia natural e adequada a um conjunto de ideias, ou melhor, a uma ideologia suficientemente diferente de todas as que já têm representação nos partidos políticos existentes em Portugal: a criação de um partido próprio.

Um novo partido em Portugal, ainda por cima de uma ideologia cultural, social e politicamente minoritária, e ainda mais por cima num país que oscila perpetuamente entre esquerda-marxista e igreja, um tal novo partido não contará à partida com grandes apoios. Um conjunto de blogadores, talvez. Mas os partidos, uma vez criados, constróem-se e crescem. Crescem com esforço e com mérito próprio.

Agora o estranho é que, sendo o mérito individual tão importante no ideário dirliberal, os dirliberais não pareçam acreditar que desse mérito resulte alguma coisa e, aparentemente, fiquem à espera de beneficiar não do mérito próprio mas dos méritos (e deméritos) de um ou outro partido já existente.